Capítulo 6 Medula Espinal

De uma perspectiva neuroanatômica, a medula espinal se constitui como um grande conduit neuronal central responsável por integrar o encéfalo com os compontnes do Sistema Nervoso Periférico. Isso possibilita, por exemplo, que o núcleo rubro medeie o controle ultrapreciso da musculatura intrínseca da mão por meio do trato rubroespinal, e que o sistema límbico receba e processe informações aferentes de dor crônica captadas por fibras nociceptivas amielínicas do tipo C na periferia do corpo e transmitidas ao prosencéfalo pro meio da via paleoespinotalâmica.

Convém, entretanto, frisar que as características fisiológicas da medula espinal vão muito além do que aquelas que se poderia esperar de um simples cilindro constituído puramente por prolongamentos axônicos responsáveis por carregarem inputs oriundos dos tecidos periféricos e outputs para estes dirigidos. Desse modo, verifica-se que a medula espinal também está envolvida no controle das funções vegetativas do organismo por meio dos núcleos intermédio-laterais toracolombares e dos núcleos intermédio-mediais sacrais, em mecanismos de analgesia mediados pela Substãncia Gelatinosa de Rolando e até mesmo em arcos reflexos altamente intrincados, com a ativação e a inibição de grupamentos musculares inteiros. Nesse âmbito, é interessante ressaltar que o fenômeno da modulação negativa da dor por meio de estímulos táteis, explicado pela Teoria da Comporta da Dor, ocorre ao nível da medula espinal e hodiernamente é alvo de múltiplos estudos que visam à invenção de novos tratamentos farmacológicos da dor crônica.

Macroscopicamente, a medula espinal apresenta como limite superior a decussação das pirâmides e como limite inferior o ligamento coccígeo, originado a partir da parte dural do filamento terminal, emitido a partir do cone medular. A medula espinal apresenta uma organização metamérica, que, no entanto, é díspar daquela observada para a coluna vertebral, estojo ósseo que delimita a parte caudal do paquímero dorsal e abriga a estrutura nervosa em questão. Isso se dá em decorrência das taxas de crescimento diferenciais observadas para essas duas estruturas durante o processo de organogênese, de tal forma que é válido afirmar que um determinado segmento vertebral abriga estruturas nervosas referentes ao metâmero espinal dois níveis inferiores a ele. Assim, na seção do canal vertebral compreendida pela vértebra T\(V\), é possível encontrar o segmento medular T7.

Diferentemente do que se verifica para o encéfalo, a medula apresenta uma estratimeria na qual a substância branca composta majoritariamente por células da glia e prolongamentos axônicos ascendentes e descendentes se encontram na periferia do tubo e a substância cinzenta, compreendida por gliócitos e corpos celulares de neurônios, encontra-se numa posição central. Isso se dá naturalmente mediante o processo de histogênese do órgão em questão, o qual se desenvolve a partir do tubo neural, cujo lúmen se oblitera quase completamente nesse processo. É interessante apontar que a divisão clássica da substância cinzenta do H medular num corno ventral eferente motor e um corno dorsal aferente sensitivo possui fundamentação embriológica. Ao passo que este é oriundo de uma estrutura denominada placa alar, a qual se forma por meio das células constituintes da parede dorsal do tubo neural e se diferencia em estruturas nervosas sensitivas por meio da ação do morfógeno \(Wnt\), aquele é originado a partir da placa basal, que se desenvolve a partir da parede ventral do tubo neural e se diferencia em neurônios motores inferiores através da indução morfogenética efetuada pela proteína \(SHH\) em suas células. Nesse sentido, pode-se lembrar que, diferentemente do que se observa na medula de um indivíduo que já completou seu desenvolvimento embrionário, a medula primitiva apresenta sulcos laterais responsáveis por demarcar o limite entre as placas alares e as placas basais, denominados sulcos limitantes.

Outro aspecto anatômico no qual se pode notar claras diferenças entre as organizações macroscópicas e mesoscópicas do encéfalo e da medula espinal se dá na organização dos folhetos meníngeos, uma vez que, na medula, a dura-máter não se encontra aderida ao periósteo das vértebras, apresentando-se relativamente solta no interior do canal vertebral, formando o saco dural, uma estrutura fibrosa de tecido conjuntivo denso responsável por fornecer proteção mecânica à medula. Externamente ao saco dural, é possível observar a presença de tecido conjuntivo frouxo, tecido adiposo unnilocular e elementos neurovasculares preenchendo o espaço epidural. Vale salientar que, dentre as estruturas vasculares que podem ser encontradas nessa região, tem-se o plexo venoso de Batson, o qual promove a drenagem sanguínea da medula espinal e se conecta com veias das cavidades torácica e abdominopélvica. Tais conexões explicam o porquê de certos tipos de neoplasias, como o câncer de próstata, efetuarem metástases hematogênicas parao Sistema Nervoso Central.

Microscopicamente, é possível subdividir a substância cinzenta da medula espinal, que se dispõe num formato parecido com uma letra H ou com uma borboleta (ganhando, por isso, a denominação de H medular), em uma série de lâminas ou núcleos conhecidos como lâminas de Rexed. Cada uma dessas lâminas desempenha papéis específicos na modulação das atividades dos tratos espinais que trafegam pela substância branca e nas funções motoras e sensitivas desempenhadas pelo neuroeixo em sua interface de integração com o restante do organismo por meio do Sistema Nervoso Periférico. É interessante ressaltar que a proporção entre as áreas ocupadas pela substância cinzenta e pela substância branca aumenta craniocaudalmente, de forma que a medula espinal sacral possui um predomínio de substância cinzenta e a medula espinal cervical, de substância branca.

Secção transversal de medula espinal. Verifique a organização típica das substâncias branca e cinzenta medulares.

Figura 6.1: Secção transversal de medula espinal. Verifique a organização típica das substâncias branca e cinzenta medulares.

Corpos celulares de motoneurônios no corno ventral da substância cinzenta medular.

Figura 6.2: Corpos celulares de motoneurônios no corno ventral da substância cinzenta medular.

Canal ependimário central da medula espinal. Atente-se para o aspecto dos ependimócitos.

Figura 6.3: Canal ependimário central da medula espinal. Atente-se para o aspecto dos ependimócitos.