Capítulo 3 Cérebro

Anatomicamente, o cérebro pode ser considerado, sem sombra de dúvidas, a estrutura mais importante do Sistema Nervoso Central, podendo ser dividido em 47 áreas de Brodmann relacionadas aos mais diversos aspectos da experiência humana, tais como o processamento auditivo central, a empatia, a sensibilidade térmica e dolorosa, a linguagem, a cognição lógico-matemática, a personalidade e a memória. Além disso, temos também inúmeras estruturas subcorticais e diencefálicas vinculadas a mecanismos de analgesia, ao aprendizado motor e ao controle de funções vegetativas.

De uma perspectiva neuroembriológica, tem-se que o cérebro se desenvolve a partir da extremidade cefálica do tubo neural, formada a partir do fechamento do neuróporo rostral durante a quarta semana de desenvolvimento. Esse evento permite a formação de três vesículas encefálicas primárias, as quais correspondem, de rostral a caudalmente, ao prosencéfalo, ao mesencéfalo e ao rombencéfalo. Na quinta semana de desenvolvimento, o prosencéfalo se divide em duas vesículas encefálicas secundárias, correspondentes ao telencéfalo, o qual originará os hemisférios cerebrais, e ao diencéfalo. Deste são oriundas estruturas do:

  • tálamo, o grande relé sensitivo do Sistema Nervoso.
  • metatálamo, onde estão abrigados os corpos geniculados essenciais para as vias visual e auditiva.
  • epitálamo, onde se situa a glândula pineal.
  • hipotálamo, principal central de controle vegetativo do organismo.
  • subtálamo, fundamental para a frenagem de movimentos através da ativação da via indireta dos núcleos da base.

Nesse âmbito, é interessante mencionar que a protuberância óptica se desenvolve a partir do diencéfalo na sexta semana de desenvolvimento embrionário, o que justifica a sintopia mantida entre certas estruturas diencefálicas e os nervos ópticos, o quiasma óptico e os tratos ópticos.

No processo de histogênese do prosencéfalo, distinguem-se duas populações celulares primordiais: os neuroblastos e os glioblastos. Enquanto estes darão origem às populações celulares progenitoras dos gliócitos integrantes da macróglia (ou seja, os astroblastos e os oligodendroblastos), aqueles se diferenciarão sequencialmente em neuroblastos bipolares, neurblastos unipolares e neurônios. Vale salientar queé possível que aconteçam interconexões entre os processos de neurogênese e gliogênese, dentre as quais a transformação gliogênica se configura como mecanismo mais comum de conversão de neuroblastos em glioblastos. Finalmente, é preciso ressaltar que, no prosencéfalo, ocorre a migração dos neurônios originados na zona intermediária do tubo neural para a placa cortical, explicando a organização tecidual dos hemisféricos cerebrais num córtex composto por substância cinzenta, onde podem ser visualizados corpos celulares de neurônios, e num centro sensorial composto predominantemente por prolongamentos axônicos de tais neurônios corticais.

No que tange à citoarquitetura dos circuitos neuronais complexos encontrados no córtex cerebral, vale mencionar que esta apresenta variações significativas conforme o grau de desenvolvimento filogenético da espécie estudada e a região cortical analisada. No entanto, é válido afirmar que, para todas as espécies, observa-se uma organização laminar das camadas de células do córtex cerebral, de modo que, usualmente, o córtex se encontra dividido em 6 camadas distintas. Quanto à classificação filogenética dessas regiões cerebrais, vislumbra-se uma subdivisão das áreas corticais em:

  • arquicórtex, típico da formação hipocampal.
  • paleocórtex, característico do rinencéfalo e de áreas olfativas.
  • neocórtex, presente ao longo de 95% de toda a extensão cortical, correspondendo ao território compreendido pelo isocórtex.

Por outro lado, sob uma perspectiva citoarquitetural, o córtex cerebral pode ser classificado como:

  • isocórtex, quando estão presentes todas as camadas corticais, que são, de exterior para interior: a camada plexiforme ou molecular, a camada granular externa, a camada das células piramidais, a camada granular interna, a camada ganglionar e a camada das células multiformes.
  • alocórtex, no qual ao menos uma das seus camadas supramencionadas se faz ausente.
Corte histológico da região cortical do cérebro (corado pela prata).

Figura 3.1: Corte histológico da região cortical do cérebro (corado pela prata).

O isocórtex ainda pode ser segmentado em três categorias, o que reflete o alto grau de especialização de diferentes áreas corticais para a efetuação dos mais variados tipos de tarefas e funções. Essas subcategorias são definidas com base no predomínio diferencial de uma camada cortical específica sobre as outras e compreendem as seguintes classificações:

  • isocórtex homotípico, encontrado em áreas de associação e caracterizado por possuir estratos de espessuras similares entre si.
  • isocórtex heterotípico agranular, observado em áreas motoras primárias e secundárias e organizado de tal maneira que se nota um claro predomínio das camadas compostas por células piramidais sobre os demais estratos corticais.
  • isocórtex heterotípico granular, verificado em áreas sensitivas, nas quais existe uma dominância das camadas granulares sobre as outras.

Todavia, é preciso ressalvar que a boa visualização dessas camadas corticais e, por conseguinte, a classificação das áreas observadas de acordo com suas características citoarquiteturais e filogenéticas, só podem ser atingidas mediante o emprego de técnicas refinadas de imunofluorescência, as quais possibilitam a marcação dos tipos celulares típicos de cada estrato cortical de acordo com as proteínas expressas especificamente por cada um deles. Nesse contexto, é possível mencionar as seguintes populações celulares para cada lâmina do córtex cerebral:

  • Camada molecular: nesse estrato cortical, há o predomínio de prolongamentos axonais e dendríticos de neurônios subjacentes, não sendo possível encontrar uma grande quantidade de células. Entretanto, ocasionalmente se pode deparar com gliócitos e células horizontais de Cajal (também denominadas células de Cajal-Retzius), neurônios glutamatérgicos e \(GABA\)érgicos fundamentais na mediação do processo de corticogênese via secreção de reelina, uma proteína sinalizadora morfogenética.
  • Camada granular externa: essa camada se encontra composta por densas aglomerações de células piramidais e células granulares. Enquanto estas correspondem a neurônios multipolares do tipo II de Golgi e também são conhecidas como células estreladas, aquelas correspondem a neurônios multipolares do tipo I de Golgi e são os principais tipos de neurônios disparados na ativação do trato corticoespinal e na cognição.

  • Camada das células piramidais (ou piramidal externa): nessa lâmina do córtex cerebral, nota-se um significativo predomínio de células piramidais com pericários de tamanho médio. Vale salientar que, como uma regra geral para essa população celular, observa-se que seus corpos celulares aumentam progressivamente de tamanho conforme mais profundamente se vai adentrando no córtex cerebral. Além dessas células, também se pode encontrar ocasionalmente células de Martinotti, pequenas células poligonais de prolongamentos dendríticos curtos relacionadas à inibição das atividades das células piramidais adjacentes, podendo, dessa maneira, desempenharem funções relevantes no controle motor.

  • Camada granular interna: esse estrato do córtex cerebral é constituído primariamente por células estreladas e é tido como a primeira camada cortical a receber aferências talâmicas, sendo, portanto, responsável por retransmiti-las às demais regiões do córtex. Em cortes do giro estriado (área 17 de Brodmann, também conhecida como área visual primária), é possível observar de modo nítido neurônios constituintes da via visual estabelecendo conexões com as células granulares da camada granular interna por meio das fibras geniculocalcarinas, as quais formam a Estria de Gennari, faixa esbranquiçada facilmente reconhecível à examinação macroscópica.

  • Camada granular (ou piramidal interna): nessa região do plano estratimérico do córtex cerebral, pode-se visualizar grandes quantidades de células piramidais com somas de dimensões amplas e quantias consideráveis de células estreladas e de Martinotti. No giro pré-central, correspondente à área motora primária, essa camada abriga as células de Betz, os maiores neurônios de todo o Sistema Nervoso e as principais ativadoras de motoneurônios 3B1 inferiores, estabelecendo sinapses excitatórias glutamatérgicas com estes e projetando-se por meio dos tratos corticoespinais lateral e anterior.

  • Camada das células multiformes: apresenta uma gama variada de populações celulares, abrigando células piramidais pequenas, células de Martinotti, células estreladas e células fusiformes. Estas apresentam morfologia alongada, porém, diferentemente das células horizontais de Cajal, dispõem-se perpendicularmente à superfície do córtex cerebral. As células fusiformes encontram-se funcionalmente relacionadas ao envio de impulsos neuronais para outras áreas corticais e para o tálamo.

Assim como outras estruturas do neuroeixo, o cérebro se encontra revestido por uma série de folhetos de tecido conjuntivo responsáveis por, dentre outras funções, fornecer proteção mecânica ao tecido nervoso, permitir a nutrição de seus componentes e promover a drenagem sanguínea do encéfalo por meio dos seios venosos. Tais membranas conjuntivas correspondem às meninges e, do ponto de vista estratimérico, elas correspondem, da mais externa para a mais interna, à dura-máter, à aracnoide-máter e à pia-máter.

A dura-máter se encontra aderida ao periósteo dos ossos da calota craniana no encéfalo e forma pregas responsáveis por compartimentalizarem a parte cefálica do paquímero dorsal do corpo, tais como a foice do cérebro, o tentório do cerebelo e a foice do cerebelo. Além disso, essa meninge é composta por um folheto externo e um folheto interno, os quais podem se separar em determinadas regiões para formarem importantes seios venosos, como os seios sigmoides, os seios transversos, o seio sagital superior e o seio sagital inferior, fundamentais para a drenagem venosa do parênquima encefálico.

Internamente à dura-máter, pode-se encontrar a aracnoide-máter, a qual é dividida numa parte mais externa que fica aderida à dura-máter e contribui para a formação de uma camada meníngea protetora espessa (a paquimeninge) e numa parte trabecular que se aprofunda em direção ao espaço subaracnoideo, principal reservatório de líquor cefalorraquidiano no Sistema Nervoso Central. De uma perspectiva histológica, pode-se dizer que a aracnoide-máter é composta fundamentalmente de tecido conjuntivo denso e células meningoteliais revestindo o espaço subaracnoideo.

Ainda mais internamente à aracnoide-máter, pode-se visualizar a pia-máter, o folheto meníngeo mais delicado e vascularizado, que se encontra intimamente aderida ao tecido nervoso e revestida por células meningoteliais de origem embrionária mesenquimatosa. Pelo espaço subaracnoideo transitam artérias dedicadas à irrigação de estruturas cerebrais e esses vasos adentram o parênquima encefálico por meio de canais revestidos por pia-máter e preenchidos por um delgado espaço fisicamente contíguo ao espaço subaracnoideo, denominado espaço perivascular ou espaço de Virchow-Robbin.